sábado, 31 de dezembro de 2011

POEMA DE RAIVA CORAGEM E ESPERANÇA

De um blogue,que muito me diz, www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com transcrevo o poema abaixo,com a devida vénia ao autor,o camarada Luís Graça.
É um belo poema...está lá tudo...era assim na Guiné, quando dos nossos vinte e poucos anos.
Cavalgam caudalosos os rios
Pela terra adentro,
Enquanto fluem ruidosos
Os dias da guerra.

Rios que não são rios
Mas rias,
Entranhas ubérrimas
Fustigadas pelo vento,
Rias baixas pela manhã,
Pedaços,braços de mar,
Restos de tsunamis,
Pontas de fuzis,
Palavras acérrimas,
Imprecações ao Grande Irã,
Picadas minadas
De ir e não mais voltar.

Dias que não são dias,
Circadianos,
Mas fragmentos,
Ora ledos ora amargos enganos,
Estilhaços de tempo,
Riscos nas paredes sujas dos bunkers,
Repentinas emboscadas,
Breves finais de tarde,
Instantes,
Flagelaçôes,
Balas tracejantes
Sob o céu verde e vermelho
Enquanto o capim arde.

Narciso,revejo-me ao espelho,
Quebrado,
Vou nu,
De camuflado,
De azul,
Celestial,
Ao encontro da morte
Em Jugudul.
E não há estrelas
À noite.
Mas a bússola indica o norte,
Sideral,
Nunca o sul,
Nunca o nascer nem o morrer.

Dies irae, dies illa,
Dia de ira,aquele,
Em que subiste o cadafalso do Niassa,
Ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
Dias de ira,aqueles,
Os da guerra!
Calai-vos
Rápidos do Saltinho,
Rápidos de Cusselinta,
Vós mais não sois
Do que canoas loucas,
Desenfreadas,
Levadas pelo macaréu da nossa raiva,
Entre o Geba e o Corubal.

Braços que não são braços,
Amputados,
Mas apenas tatuagens,
Traços,
Letras de fado pungentes,
Pontes que são miragens,
Tentáculos,serpentes,
Lianas,cortadas pela catana,
A eito,
Pela floresta-galeria,
Inferno tropical,
Túneis,tarrafo,
Bolanhas,lalas,bissilões,
Curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
Apocalípticos palmeirais,
Pontas de punhais
Cravada no peito,
Irãs acocorados
No alto dos poilões.

E depois o silêncio.
Impossível,
O silêncio das partituras,
Dos mapas dos argonautas,
Partículas,
Pausas,
Cartas de tiro
Com claves de sol,
Desidratação,
A ogiva do obus,
O medo da avestruz,
O roncar do helicanhão,
Gritos do djambé,
E do macaco-cão,
Gemidos de kora,
Espasmos de balafon,
Rajadas de kalash
Ecos do bombolom,
Bombas de fragmentação
Que correm no dorso dos cavalos
Desde o Futa Djalon

Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
Nem quero ouvir o grito da morte
Outra vez

            Luís Graça

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